LETTER OF INTENT – BREVES CONSIDERAÇÕES

Maria Inês Sousa (1)

SUMÁRIO: I. Conceito. II. Funções e Regime Jurídico.

RESUMO: O presente trabalho visa as Cartas de Intenção (ou, conforme são conhecidas internacionalmente, as Letter of Intent), que são um acordo pré- contratual, isto é, um acordo que antecede o contrato definitivo. No entanto, e como veremos, há dificuldades no estabelecimento de uma noção destas cartas, por razões várias que serão apontadas adiante. Ainda assim dar-se-ão determinadas noções e perspetivas de alguns autores acerca desta figura e, finalmente, apontar- se-ão as suas funções, bem como as normas do ordenamento jurídico português que se lhe aplicam, pese embora a sua eficácia seja variável e possa ser irrestrita ao domínio pré-contratual.

I. Conceito

 

A Letter of Intent ou, em português, Carta de Intenção(2) é uma prática que nasce na segunda metade do século XX e que consiste num documento formalizado pelas partes, no decurso das negociações para a conclusão de um contrato. Neste documento as partes fixam voluntariamente as condutas devidas por cada uma no iter negocial, tendo em vista minorar a incerteza(3), bem como “os riscos do fracasso das negociações, sem verdadeiramente se vincularem a condutas estritas”. Deste modo, “a linguagem das cartas de intenção pretende mais apelar à honra comercial das partes envolvidas do que verdadeiramente adstringir-se ao direito” (4).

Nas palavras de CALVÃO DA SILVA, “as partes pretendem com estas declarações, promover uma deontologia negocial acrescida no iter negotii, a deontologia da probidade, da lealdade da lisura própria das pessoas de bem, das pessoas que agem de boa-fé segundo a boa-fé”(5).

Estas Cartas de Intenção pautam-se pela heterogeneidade, abrangendo “realidades muito distintas, desde declarações unilaterais a acordos; desde deveres de sigilo a obrigações de negociar; desde […] minutas a verdadeiros contratos preparatórios inominados”(6), mas também pela imprecisão, sendo compostas por uma linguagem “ambígua e obscura, que torna difícil aferir da sua relevância jurídica”, o que se explica, em certa medida, pelo facto de estas cartas serem raramente lavradas por juristas(7).

A incerteza que advém das negociações, aliada à influência anglo-saxónica na contratação internacional, fez com que as Cartas de Intenção se tornassem num fenómeno crescente nos ordenamentos jurídicos continentais, “onde desempenham um papel cada vez mais prominente” (8).

Não obstante as notas apresentadas supra, a verdade é que a noção de Cartas de Intenção não é unívoca, havendo inclusive bastante disparidade(9). Desde logo, “a expressão tem sido utilizada pela doutrina e jurisprudência com significados e alcances muito distintos, o que origina frequentemente falhas no processo comunicativo e dificuldades na análise rigorosa da temática estudada” e, ademais, as Cartas de Intenção “constituem uma categoria jurídica residual, que visa abarcar um conjunto de novas figuras surgidas no contexto pré-contratual da contratação avançada, abrangendo sob uma mesma designação realidades jurídicas heterogéneas, com características e natureza muito diferentes”(10).

Tudo isto, a par da falta de consagração legal desta figura (como se acontece no ordenamento jurídico português), torna-a num terreno incerto, sendo apenas unânime para a doutrina e para a jurisprudência que as Cartas de Intenções são uma prática realizada na fase pré-contratual das negociações(11).

O Professor ENGRÁCIA ANTUNES utiliza indistintamente os conceitos de Cartas de Intenção e Acordos de Princípio, apontando-os como acordos pré- contratuais e, em particular, acordos não contratuais(12) / (13) / (14). Para o autor, as Cartas de Intenção e Acordos de Princípio têm um “conteúdo extremamente variável”, consistindo “usualmente em pactos através dos quais as partes, em determinado estádio das negociações em curso”, manifestam a sua vontade em prosseguir ditames de boa fé “com vista a atingir o acordo final”. Ainda na sua ótica, na maioria dos casos, estes enformam “puros acordos de negociação”, “através dos quais as partes simplesmente ‘concordam em concordar’”, isto é, obrigam-se a “envidar os seus melhores e mais leais esforços no sentido de levar as negociações a nom termo”, demarcando-se de “quaisquer contratos preparatórios ou preliminares do contrato mercantil definitivo”, visto que aqui as partes conservam “inteiramente intacta a sua liberdade” de celebrar ou não o contrato definitivo.

O autor aponta ainda este fenómeno como frequente em certos tipos de contratos mercantis, mormente os contratos de compra e venda de empresa, onde é comum que as partes vertam os resultados das negociações em documentos “que visam fornecer uma informação exaustiva sobre os mais variados aspectos organizativos, técnicos, patrimoniais, financeiros e contabilísticos da empresa negociada de modo a permitir uma correta e livre formação da vontade negocial das partes contratantes”(15).

A Professora MARIANA COSTA, por sua vez, indica que só é possível apresentar uma noção de Cartas de Intenção por “aproximação piramidal”. Neste sentido, indica que este acordo pode ser unilateral ou bilateral, rematando que “embora a expressão ‘carta de intenção’ possa induzir no sentido de uma declaração unilateral pura, emitida por iniciativa exclusiva de uma das partes sem o acordo da outra, esta situação não é a mais comum”. Esta distinção, na sua ótica, “assume especial relevância devido ao princípio da tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais”, que entende que “vigora em Portugal por força do art. 457.o e que impede que de uma declaração de intenção unilateral atípica possam nascer efeitos jurídicos coincidentes com o teor da vontade manifestada”. Para a autora, “é importante ter presente que as cartas de intenção têm o seu âmbito de actuação no contexto negocial, pelo que, em regra, o seu conteúdo resulta de um acordo entre as partes envolvidas”, concluindo que, em todo o caso, estas Cartas de Intenção se situam num processo de negociações que tem em vista a celebração de um contrato futuro, motivo pelo qual não vinculam as partes “à celebração do referido contrato final”(16).

II. Funções e Regime Jurídico

 

Importa começar por sublinhar a este respeito que as Cartas de Intenção não têm consagração legal no ordenamento jurídico português, mas são detetáveis no Código Civil algumas normas que se lhe aplicam, designadamente os artigos 119.o/3, 243.o/2 e 291.o/3, CCiv (concernentes à boa-fé); o artigo 227.o, CCiv (que trata da responsabilidade pré-contratual); o artigo 232.o, CCiv (que demarca as Cartas de Intenção do contrato final ou definitivo); o artigo 236.o, CCiv (importante na interpretação do acordo); e, por fim, o artigo 457.o, CCiv (que consagra o princípio da tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais e, por conseguinte, releva no caso de a Carta de Intenção ser unilateral).

Primus, é possível apontar duas funções às Cartas de Intenção. “A primeira é a de regular o processo negocial em si, seja através da fixação de uma obrigação de confidencialidade, de uma proibição de negociar com terceiros, de um acordo de negociações, ou até da divisão dos aspectos a negociar segundo um plano temporal pré-fixado”. “A segunda função é a de regular a formação do próprio contrato final, fixando as cláusulas já acordadas e os termos que nele se pretendem incluir: é a função do acordo parcial”(17).

Secundus, como vimos atrás, as Cartas de Intenção têm uma natureza não contratual, não vinculando as partes, de tal modo que “possuem, em princípio, um regime jurídico pré-contratual” (18). Em todo o caso, “não é possível determinar de forma abstrata a força jurídica das cartas de intenção, sendo necessária a sua análise em concreto. Isto é, proceder à interpretação da mesma. Não existindo em modo abstrato qualquer presunção de vinculatividade ou ausência desta”(19).

Ainda assim, e atendendo à unanimidade supramencionada na doutrina e na jurisprudência, que avogam que as Cartas de Intenção são uma negociação pré- contratual, então é possível afirmar que a eficácia de tais acordos se circunscreve “unicamente ao plano pré-contratual, não sendo por isso geradores de obrigações contratuais: ou seja, os efeitos de tais acordos consubstanciam-se primacialmente em deveres pré-contratuais de negociação, de procedimento ou de diligência qualificada no contexto do ‘iter negocial’”(20).

Desta feita, o incumprimento destes acordos pode obrigar a parte faltosa a indemnizar, acionando-se a culpa in contrahendo ou a responsabilidade pré- contratual, tratadas no artigo 227.o, CCiv(21) / (22). Cumpre, no entanto, salientar que esta máxima não se aplica em todos os sistemas jurídicos, pois os “acordos pré- contratuais não têm a mesma eficácia e responsabilidade em todos os países”, mormente nos “países da common law”, onde vigora a perspetiva do “‘all or nothing’, do ‘tudo ou nada’”(23).

O Professor ENGRÁCIA ANTUNES, a respeito do regime jurídico desta figura, introduz uma conclusão fundamental: “a designação ou ‘nomen iuris’ que as partes de um futuro contrato mercantil atribuem aos respectivos acordos pré-contratuais de modo algum pode ser considerada decisiva para a respectiva qualificação e regime jurídicos, os quais devem ser sempre determinados, em primeira linha, através da interpretação dos termos desses acordos e do apuramento da vontade das partes”(24).

1 Aluna do 4.o ano da Licenciatura em Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.
2 A nomenclatura original – Letter of Intent (expressão anglo-saxónica) – deu origem a várias traduções, passando esta figura a designar-se também de Cartas de Intenção (expressão portuguesa); Lettre d’Intention (expressão francesa); Lettere di Intenti (expressão italiana); e Carta de Intencion (expressão espanhola).
3 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 78.
4 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 81.
5 SILVA, João Calvão da (1996). Negociações Preparatórias de Contrato de Promessa e Responsabilidade Pré-Contratual, Estudos de Direito e Processo Civil (Pareceres). Almedina, p. 85.
6 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 80.
7 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 80.
8 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 78.
9 Em sentido paralelo, “As cartas de intenção têm associada a si a ausência de uniformidade terminológica quanto à sua designação. Por isso a sua noção não é unívoca”, in REAIS, Teresa Margarida Alvarenga Chiote (2016). Vinculações Pré-Negociais Cartas de Intenção (Dissertação). Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, p. 26.
10 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 80.
11 A fase pré-contratual das negociações consiste num “processo prévio, composto por um conjunto encadeado de actos direcionados à obtenção do acordo juridicamente vinculativo”, in COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 80.
12 Segundo o autor, os acordos não contratuais são “instrumentos jurídicos, destituídos de natureza contratual, auxiliadores da negociação de um dado contrato mercantil, que servem essencialmente para determinar a forma como as negociações entre as partes contratantes se processarão ou para cristalizar o estado dessas negociações em determinado momento”, in ANTUNES, José A. Engrácia (2009). Direito dos Contratos Comerciais. (1.a Edição, 7.a Reimpressão). Almedina, p. 97. Diferentemente, acordos contratuais são “instrumentos jurídicos de natureza contratual destinados a preparar ou coadjuvar a celebração de um dado contrato mercantil”, in ANTUNES, José A. Engrácia (2009). Direito dos Contratos Comerciais. (1.a Edição, 7.a Reimpressão). Almedina, p. 103.
13 Nas palavras de outra autora, mas em sentido consoante, “Os acordos não contratuais estão relacionados com a forma como as negociações vão correr entre as partes, trata-se de um processo de transparecer as negociações. Trata-se de um reforço dos deveres e garantias pré-contratuais.”, in REAIS, Teresa Margarida Alvarenga Chiote (2016). Vinculações Pré-Negociais Cartas de Intenção (Dissertação). Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, p. 15.
14 Afunilando a disciplina jurídica e centrando-nos no ramo do Direito das Sociedades Comerciais, o Professor ENGRÁCIA ANTUNES aponta os Acordos de Princípio como acordos pré-sociais, que são acordos que antecedem a conclusão do ato constitutivo societário e que são celebrados entre os sócios da futura sociedade. Para o autor, os Acordos de Princípio, quando entendidos numa aceção societária, destinam-se a “consubstanciar os compromissos alcançados pelas partes no âmbito das respetivas negociações preparatórias sobre variadíssimos aspetos da sua futura ‘business venture’”, in ANTUNES, José Engrácia (2023). Direito das Scoiedades. (11.a Edição). Porto, p. 201.
15 ANTUNES, José A. Engrácia (2009). Direito dos Contratos Comerciais. (1.a Edição, 7.a Reimpressão). Almedina, pp. 98 e 99.
16 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, pp. 82 e 83.
17 COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, pp. 83 e 84.
18 REAIS, Teresa Margarida Alvarenga Chiote (2016). Vinculações Pré-Negociais Cartas de Intenção (Dissertação). Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, p. 22.
19 REAIS, Teresa Margarida Alvarenga Chiote (2016). Vinculações Pré-Negociais Cartas de Intenção (Dissertação). Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, p. 40.
20 ANTUNES, José A. Engrácia (2009). Direito dos Contratos Comerciais. (1.a Edição, 7.a Reimpressão). Almedina, p. 101.
21 Sobre o instituto da culpa in contrahendo, vide VARELA, João de Matos Antunes (2000). Das Obrigações em Geral, Vol. I. (10.o Edição, 16.a Reimpressão). Almedina, pp. 267 a 272. E, ainda, vide HÖRSTER, Heinrich Ewald; SILVA; Eva Sónia Moreira da (2019). A Parte Geral do Código Civil Português. (2.a Edição). Almedina, pp. 527 a 531.
22 “Mas as partes podem celebrar cartas de intenção com eficácia contratual tendo como consequência a violação desta a responsabilidade estipulada nos art.os 798o e ss. do CC”, pelo que se verifica que “a responsabilidade por violação de uma carta de intenção não é uniforme, varia consoante o seu conteúdo. Estes acordos podem substanciar um mero reforço da obrigação legal de negociar de boa-fé ou assumir natureza contratual, quando surge vinculado a uma obrigação de meios”, in REAIS, Teresa Margarida Alvarenga Chiote (2016). Vinculações Pré-Negociais Cartas de Intenção (Dissertação). Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, p. 42. Daí que MARIANA COSTA afirme que “as cartas de intenção gozam de uma extensa tessitura de efeitos, que pode ir desde a ausência de relevância jurídica até à qualificação como verdadeiros contratos”, in COSTA, Mariana Fontes da (2011). Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção. (1.a Edição). Coimbra Editora, p. 84.
23 REAIS, Teresa Margarida Alvarenga Chiote (2016). Vinculações Pré-Negociais Cartas de Intenção (Dissertação). Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, p. 22.
24 ANTUNES, José A. Engrácia (2009). Direito dos Contratos Comerciais. (1.a Edição, 7.a Reimpressão). Almedina, p. 102.

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Como o Tomás descreve a Maria Inês:

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