DUE DILIGENCE – BREVES CONSIDERAÇÕES

Maria Inês Sousa 1

SUMÁRIO: I. Conceito. II. A Due Diligence em Portugal.

RESUMO: O presente artigo tem em vista o tratamento e a elucidação da Due Diligence, um fenómeno que, como veremos adiante, não é prática obrigatória em Portugal, mas é antes uma possibilidade que assiste às partes na negociação e que lhes permite a conclusão de um negócio em termos mais informados, mormente no que respeita aos riscos do negócio em que se estão a envolver e às potencialidades daquilo que estão em vias de vender ou adquirir, conforme os casos. Pese embora ancestral, esta é uma prática que hoje em dia conhece uma veste mais abrangente e que se efetiva em termos mais sucintos, centrais e, ao mesmo tempo, digitais. Finalmente, e ainda que não seja obrigatória no nosso sistema, serão identificados alguns pontos de contacto entre a Due Diligence e o ordenamento jurídico português, designadamente o ramo do Direito das Sociedades Comerciais.

I. Conceito

 

A expressão Due Diligence começou a ser conhecida com o surgimento do US Securities Act de 1933(2), que é um decreto norte-americano que possibilitou aos brokers(3) a implementação de um processo destinado a obter informações prévias e relevantes sobre uma determinada companhia, para ulteriormente as fornecerem aos investidores. Todavia, já em 1854 conseguíamos encontrar tal expressão na Colecção Official da Legislação Portuguesa(4).

Ainda assim, segundo os autores ALEXANDRA LAJOUX e CHARLES ELSON é necessário recuar aos tempos mais remotos da Antiguidade Clássica e atender ao conceito de diligência constante da lei romana. Esta lei distinguia dois tipos de diligência: primus, a diligentia quam suis rebus (a diligência que um indivíduo tem em gerir os seus negócios) e secundus, a diligentia exactissima e a diligentia boni patrisfamilia (uma diligência exata ou uma diligência muito mais rigorosa exercida pelo chefe da família)(5).

Independentemente da época em que se começou a tratar do conceito da Diligência Prévia, o certo é que a promoção de investigações prévias pelos intermediários-financeiros começou por ser uma prática corrente em ofertas públicas de valores mobiliários, mas acabou por estender-se para as operações de M&A(6) /( 7), aplicando-se atualmente nos mais variados domínios da gíria comercial.

A Due Diligence consiste numa análise detalhada dos elementos sobre os quais assenta a avaliação e a fixação do preço do objeto do negócio(8), fornecendo assim ao potencial investidor uma visão mais aprofundada das operações da empresa ou da sociedade alvo, podendo servir para fins de investimentos ou para aquisições, facilitando a tomada de decisão dos investidores, uma vez que os informa sobre as possíveis oportunidades e riscos do negócio(9).

Deste modo, é possível afirmar que a “finalidade imediata da due diligence é dar a conhecer ao comprador a situação da empresa ou, num share deal, da empresa-objeto, da sociedade titular da mesma e das participações a transmitir”, ao passo que a “finalidade mediata é permitir ao potencial comprador – e também ao vendedor – avaliar a relação risco-benefício inerente ao negócio em causa”(10), consubstanciando assim a “base do contrato para ambas as partes”(11).

Geralmente esta análise é promovida pelo comprador (buyer due diligence), mas pode também advir da iniciativa do próprio vendedor (seller due diligence)(12). Desta feita, no caso de compra quem define os elementos que devem ser objeto de análise num processo de Due Diligence são os investidores; de contrário, no caso de venda, são os vendedores, sempre de acordo com as suas necessidades(13) e vontades.

A efetivação desta análise pode ser bastante díspar, variando conforme o comprador e o vendedor em causa. Nalguns casos o comprador contenta-se com a análise das respostas a um questionário previamente apresentado e sustentado por certos documentos, enquanto que noutros casos promove uma análise exaustiva de documentos por brokers instalados durante dias ou semanas nas instalações do vendedor ou da sociedade/empresa visada(14).
Nos dias de hoje, e por contraposição aos moldes tradicionais de realização da Due Diligence (os chamados data room) mas de acordo com o advento dos novos tempos, este processo é cada vez mais digital – “a informação é digitalizada e disponibilizada por via eletrónica (electronic data room ou virtual data room)”(15). Consonantemente, e em concordância com a perspetiva de que “tempo é dinheiro”, têm-se abandonado os relatórios extensos e exaustivos da Due Diligence e têm-se adotado “relatórios mais curtos, centrados nos pontos de maior relevância e numa análise crítica dos riscos para a operação (red flags reports)”(16). ́

II. A Due Diligence em Portugal e as Normas Aplicáveis

 

O processo de Due Diligence não se impõe nos sistemas romano- germânicos (como o português) com a mesma acuidade com que se impõe no seu sistema originário, o norte-americano, onde tem importância e níveis de utilização acrescidos. No sistema português vigora a culpa in contrahendo (artigo 227.o, Código Civil), máxima que não singrou no sistema norte-americando, pelo que aí se entende que a empresa é vendida “tal como examinada e inspecionada”(17).

O artigo 227.o, n.o 1, CCiv, que tem por epígrafe a culpa na formação dos contratos – também designada de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo – estipula que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Ora, o instituto da responsabilidade pré-contratual baseia-se na ideia de que o “simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito”(18) /( 19). Assim, cria- se uma confiança na contraparte e há um investimento nessa confiança que, se for frustrada, pode gerar a obrigação de indemnizar, ao abrigo da responsabilidade pré-contratual.

No entanto, e como afirma o Professor FERREIRA GOMES, nos termos do artigo 227.o, CCiv, o vendedor está adstrito a deveres de informação pré- contratuais para com o comprador mas esta informação “não tem de ser prestada através de uma due diligence”, assim como o comprador “não está obrigado à realização de uma due diligence”(20) / (21). No limite, “caso o vendedor conceda na realização [da due diligence], sobre o comprador recai um ónus, mas não um dever de a realizar” (22); ou seja, se não realizar este processo o comprador simplesmente deixa de auferir uma vantagem que lhe assiste, mas não incorre em qualquer incumprimento ou responsabilidade.

Ainda nas as palavras do Professor FERREIRA GOMES, o comprador, “se não realizar a due diligence consentida, pode ficar numa situação de desvantagem jurídica. Desde logo, na medida em que se conclua que a informação em causa devia ter sido obtida pelo comprador, no quadro do seu ónus de autoinformação, assim se excluindo o dever de informação do vendedor, fica precludida a sua pretensão indemnizatória por culpa in contrahendo.”(23) /( 24).

Posto isto, é percetível que no ordenamento jurídico português a Due Diligence não enforma uma obrigatoriedade mas apenas uma liberdade, uma opção que assiste às partes negociadoras no pleno uso da sua liberdade contratual (vide artigo 405.o, CCiv).

Ainda assim, a concretização de uma Diligência Prévia pode ir ao encontro da atuação de um gerente ou administrador (da sociedade vendedora e compradora) “criterioso e ordenado”, conforme prescreve o artigo 64.o, n.o 1, al. a), Código das Sociedades Comerciais, que deve atuar em “termos informados”, com base no artigo 72.o, n.o 2 do mesmo diploma.

1 Aluna do 4.o ano da Licenciatura em Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.
2 Confrontar https://www.govinfo.gov/content/pkg/COMPS-1884/pdf/COMPS-1884.pdf.
3 Os brokers são pessoas físicas ou jurídicas que atuam como intermediários entre o(s) comprador(es) e o(s) vendedor(es) de um determinado negócio, recebendo uma comissão assim que o negócio é concluído.
4 Para mais informações, consultar https://legislacaoregia.parlamento.pt/info/about.aspx.
5 Vide CASTRO, Lurdes Assunção Rosa e (2019). A Importância da Due Diligence na Disposição dos Instrumentos Definitivos para a Concretização de uma Transação (Compra ou Venda) (Dissertação). Instituto Superior de Gestão, p. 14.
6 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 200.
7 M&A é uma sigla que designa as operações societárias mais comuns no mercado – as fusões e aquisições de empresas e de participações sociais – que, por sua vez, dependem da realização de uma análise prévia da empresa, a Due Diligence.
8 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 199.
9 CASTRO, Lurdes Assunção Rosa e (2019). A Importância da Due Diligence na Disposição dos Instrumentos Definitivos para a Concretização de uma Transação (Compra ou Venda) (Dissertação). Instituto Superior de Gestão, p. 8.
10 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 200.
11 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 202.
12 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 199.
13 CASTRO, Lurdes Assunção Rosa e (2019). A Importância da Due Diligence na Disposição dos Instrumentos Definitivos para a Concretização de uma Transação (Compra ou Venda) (Dissertação). Instituto Superior de Gestão, p. 8.
14 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 199.
15 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 203.
16 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 205.
17 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 203.
18 VARELA, João de Matos Antunes (2000). Das Obrigações em Geral, Vol. I. (10.o Edição, 16.a Reimpressão). Almedina, p. 268.
19 Em sentido concordante, “O início de negociações com vista à conclusão de um contrato estabelece uma relação jurídica pré-contratual entre as partes negociadoras, relação essa que dá origem a deveres de lealdade, obrigações de informar, deveres no sentido de observar um comportamento segundo as regras da boa fé, etc.. Até pode acontecer, conforme a natureza das negociações, que nasçam relações especiais de confiança. Tudo isso implica que as partes negociadoras devem observar um comportamento que não prejudique o bom andamento das negociações em curso.” – in HÖRSTER, Heinrich Ewald; SILVA; Eva Sónia Moreira da (2019). A Parte Geral do Código Civil Português. (2.a Edição). Almedina, p. 527.
20 “na compra de empresas os deveres ou ónus do comprador, designadamente, o ónus de proceder a uma ‘due diligence’”, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2014, proc. 284/04.9TBAVR.C2.S1, relator TAVARES DE PAIVA.
21 “Neste tipo contratual o adquirente tem o ónus de proceder a uma apreciação, a uma auditoria à sociedade que pretende comprar, ou, nas palavras do direito anglo-saxónico, um ónus de ‘due diligence’, sendo-lhe potencialmente aplicável a estatuição do art.o 570.o do Código Civil.”, in Acórdão da Relação do Porto de 22/06/2021, proc. 4738/15.0T8MAI-A.P1, relator LINA BASTISTA.
22 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 206.
23 GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 207.
24 “Mais: se se concluir que o vendedor não estava obrigado a prestar informações sobre determinado vício, cujo conhecimento estava ao alcance de um comprador medianamente diligente, em princípio, a entrega da empresa no estado em que se encontrava ao tempo da venda é conforme à determinação negocial (art. 882.o/1 CC). Se assim é, não há vício relevante para efeitos dos regimes da compra e venda de bens onerados e de coisa defeituosa (arts. 905.o ss. e 913.o ss. CC).” – in GOMES, José Ferreira (2022). M&A Aquisição de Empresas e de Participações Sociais. (Reimpressão). AAFDL Editora, p. 207.

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Como o Tomás descreve a Maria Inês:

A Inês, para além de ser a melhor grelhadora de bifes do Norte e arredores, é uma pessoa completa e rica curricularmente, visto que não se foca apenas nos estudos, onde tem um desempenho exímio, mas também em diversas e variadas atividades extracurriculares que a tornam em uma excelente aluna e pessoa. Apesar de, infelizmente, ter o seu coração dividido entre as terras áridas do direito do trabalho e as terras prósperas do direito da família e das sucessões, a verdade é que em qualquer projeto que se envolva dá 100% de si e eu, pessoalmente, sinto-me sempre seguro quando trabalho em conjunto com ela, visto que a sua parte estará sempre impecável.

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