“Contribuições especiais” Tributo cada vez menos especial

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A Autoridade Tributária [AT] tem notificado diversos contribuintes para o pagamento de “Contribuições Especiais”. Ao primeiro impacto, desconhecidas por muitos, tratam-se de contribuições que a AT aplica tendo por base uma presunção de melhorias para os contribuintes que beneficiaram de determinada atividade administrativa que lhes terá proporcionado “alegadas melhorias” para os bens de sua propriedade.

Atenta a celeuma e a intensidade com que estas contribuições têm sido promovidas nos últimos tempos, o tema merece análise. As “Contribuições Especiais” estão inseridas no quadro amplo de tributos que o legislador nacional classifica como impostos, taxas e contribuições(1), com o fundamento de satisfação de necessidades coletivas. A distinção prevista na lei para as “Contribuições Especiais” afasta-a do conceito de impostos e de taxas(2). Como a própria nomenclatura indicia são especiais, podendo ser distinguidas entre: contribuições de melhoria – foco da presente análise; e ii) “contribuições de maior despesa”(3).

Por princípio dirigem-se à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, pese embora não seja individualizável. Preencherá estes pressupostos, quanto à primeira categoria de contribuições especiais de melhoria, o Regulamento da Contribuição Especial(4) , segundo o qual a contribuição especial constitui receita do Estado, tem uma duração de 20 anos, com determinadas áreas abrangidas e incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana e ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes.

O facto tributário gerador da obrigação de pagamento da contribuição será o aumento de valor dos prédios, resultante da realização de determinadas obras públicas, de modo que, desde que o facto tributário ocorra integralmente sob a égide do diploma criador do tributo. Uma das características é a que na aferição do presumido aumento da capacidade contributiva do contribuinte não tem relevado o acréscimo patrimonial realizado, outrossim o acréscimo patrimonial eventual, não se verificando se ocorre ou não o real aumento da capacidade contributiva. Aqui reside um dos grandes problemas na aplicação do regime, pois parte-se de um “eventual” acréscimo patrimonial. Acresce que, a característica da bilateralidade não funciona inteiramente nestes tributos, pois, apesar de em teoria poder existir uma vantagem para o contribuinte e o pagamento de uma contribuição, na realidade, o equipamento ou bem público que terá valorizado o terreno pode não o ter feito ou, ao invés, até constituir uma desvantagem para o contribuinte. Têm existido igualmente situações problemáticas quanto à sua aplicação no tempo porque ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. A interpretação alcançada pela Jurisprudência é a de que a contribuição especial apenas poderá incidir acerca de factos ocorridos em data posterior à entrada em vigor do referido Regulamento e dos quais se possa presumir estarem preenchidos os pressupostos(5) . A respeito do tempo de vigência do regime em causa, vale a pena dar nota que não se compreende bem a razão pela qual o Regulamento publicado em Março de 1998 mantém a sua vigência(6), dado que o prazo temporário de 20 anos do artigo 4.º já passou, devendo por principio operar-se a sua cessação por caducidade.

Outra das questões está relacionada com a aplicação subjetiva, sendo que se tem entendido a presunção de que o beneficiário do direito de construir e da referida valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença de construção(7), o que evidentemente acarreta um conjunto de novas interrogações como facilmente se compreende.

Causa ainda, particular perplexidade que o D.L. n.º 43/98, de 3 de Março, quanto à sua incidência pessoal, permita que contribuintes relativamente aos quais não se tenha verificado qualquer mais-valia ou vantagem, pura e simplesmente com fundamento numa mera presunção, lhe possa ser aplicada a “contribuição especial”, o que pode configurar ofensa ao princípio da capacidade contributiva. Já a quantificação da mais valia, sem que exista qualquer venda do bem, revelar-se-á igualmente uma tarefa hercúlea, atento que se estar-se-á sempre sob o prisma de um acréscimo patrimonial “eventual”. O regime assenta em presunções, deixando ao encargo do contribuinte uma difícil tarefa de prova(8), sobretudo na existência e quantificação dos benefícios decorrentes dos investimentos públicos realizados, quando o próprio contribuinte não teve qualquer poder em decidir se os investimentos seriam adequados ou não. Acresce que, por inerência os investimentos públicos servem para satisfação de necessidades coletivas, quando com este regime pode estar a criar-se uma situação algo perversa. Resta a esperança que pese embora a contribuição seja “especial” não deixa de estar sujeita
ao regime legal e Constitucional, que segundo se antecipa servirá de bom socorro aos contribuintes nas contendas sobre o tema em apreço.

 

1| Cfr. artigo 3.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
2| As taxas por princípio relacionam-se com a prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio
público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares).
3| Criadas para onerar contribuintes que, com o seu comportamento, provoquem um maior desgaste em bens de domínio
público.
4| Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março.
5| A título exemplificativo – Acórdão do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE de 12-06-2014 disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/3a7814691b83d58980257d250035fcae?OpenDocument e cfr.
art.º 12.º da Lei Geral Tributária e art.º 103.º, n.º 3.º da CRP.
6| Artigo 4.º, n.º 1 do diploma dispõe que: A contribuição especial criada nos termos do presente diploma constitui receita do
Estado e tem uma duração de 20 anos.
7| Cfr. i.a. Acórdão DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO de 30-01-2013 disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35bbf22e1bb1e680256f8e003ea931/82322a11f00c855780257b180050e4e7?OpenDocument&Expand
Section=1e art.º 3.º do Regulamento de Contribuição Especial)
8| Cfr. art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil, art.º 64.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e art.º 73.º, da Lei
Geral Tributária).

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