Ambiente: um caso sério de Justiça – Crimes e Infrações ambientais

Ambiente: um caso sério de Justiça – Crimes e infrações ambientais.

Lançamo-nos a este tema em março de 2021, em contexto de plena Pandemia Covid 19 sabendo de antemão que todo e qualquer móbil é válido para mais uma incursão nas desafiantes águas do Direito do Ambiente.

Tratando-se de uma Conferência inserida nas Jornadas de Engenharia, numa das mais reconhecidas Escolas do País – o “Técnico” – o Instituto Superior Técnico – Universidade de Lisboa deixa-nos uma plateia com outro grau de escrutínio, originária de uma panóplia de saberes bem distinta dos Juristas. Será assim uma análise sempre ao estilo de quadro geral, para um universo avesso a tecnicidades jurídicas. Como diria o afamado Diplomata e médico Português Júlio Dantas “O que é mais difícil não é escrever muito; é dizer tudo, escrevendo pouco.”.

Vale a pena dar conta que o edifício jurídico em que assenta a proteção das infrações ambientais assente em 4 grandes pilares:

i) Constituição da República Portuguesa;

ii) Direito Comunitário;

iii) Código Penal;

iv) Contraordenações ambientais.

 

Importa começar por dar nota que a nossa Lei Fundamental – a Constituição da República Portuguesa consagra o seguinte Direito Fundamental “Artigo 66.º – Ambiente e qualidade de vida

1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação

dos cidadãos:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem;

c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;

d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;

e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetónico e da proteção das zonas históricas;

f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;

g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;

h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida.”

Assim, resulta claro que não só o direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de todos os cidadãos, como também incumbe ao Estado a tarefa de o assegurar. De salientar, ainda, no âmbito nacional, a Lei de Bases da Política de Ambiente – Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril, que estabelece como objetivos: “a efetivação dos direitos ambientais através da promoção do desenvolvimento sustentável, suportada na gestão adequada do ambiente, em particular dos ecossistemas e dos recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade de baixo carbono e uma «economia verde», racional e eficiente na utilização dos recursos naturais, que assegure o bem-estar e a melhoria progressiva da qualidade de vida dos cidadãos”.

Esta lei estabelece os seguintes princípios orientadores que devem servir de base à proteção do ambiente:

• Desenvolvimento sustentável;

• Responsabilidade Intra e Intergeracional;

• Prevenção e Precaução;

• Poluidor-Pagador;

• Utilizador-Pagador;

• Responsabilidade;

• Recuperação;

• Transversalidade e da integração;

• Cooperação internacional;

• Conhecimento e ciência;

• Educação ambiental;

• Informação e participação.

A nível nacional existem ainda outros atos normativos dispersos, o que cria dificuldades de conhecimento e aplicação, em diversos domínios: “Água Qualidade do Ar Impacte Ambiental”, “Ruído”, “Resíduos”, “Substâncias Perigosas”, “Ambiente Parques, Reservas e Áreas Protegidas”, “Energia: Oil / Gás Natural/Produção Hidroelétrica/ Eólica/Biomassa/Solar/ Oceanos/Geotérmica, entre outros.

Por outro lado, ao nível do Direito da União Europeia tem vindo a ser emanada diversa legislação no âmbito do Direito do Ambiente, destacando-se, quanto à temática que aqui nos traz, a noção de crime ambiental : “É considerado crime ambiental qualquer ato que infrinja o direito do ambiente e cause danos ou riscos graves para o ambiente ou a saúde humana.”.

Nesta matéria, tem-se procurado definir várias infrações graves prejudiciais ao ambiente e levar os Estados Membros a introduzir sanções efetivas e proporcionais como medidas de dissuasão contra a prática de tais infrações, cometidas com dolo ou negligência.

É especialmente relevante a Diretiva 2008/99/CE que definiu os seguintes comportamentos ilícitos, prejudiciais para a saúde humana e meio ambiente, sujeitos a sanções:

• a descarga, a emissão ou qualquer forma de libertação de matérias perigosas na atmosfera, no solo ou na água;

• a recolha, o transporte, a valorização ou a eliminação de resíduos perigosos;

• a transferência de resíduos em quantidades não negligenciáveis;

• a exploração de uma instalação industrial onde se exerça uma atividade perigosa ou onde sejam armazenadas substâncias perigosas (por exemplo, fábricas de produção de tintas ou de produtos químicos);

• a produção, o tratamento, o armazenamento, a utilização, o transporte, a importação, a exportação ou a eliminação de material nuclear e materiais radioativos perigosos;

• a morte, a posse ou o tráfico de quantidades não negligenciáveis de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagem;

• a deterioração de habitats protegidos;

• a produção, a colocação no mercado ou a utilização de substâncias que empobrecem a camada de ozono (por exemplo, produtos químicos em extintores de incêndio ou solventes de

limpeza).

A referida Diretiva determina que a aplicação pela prática destes comportamentos ilícitos seja efetuada não apenas a pessoas singulares, mas também a pessoas coletivas.

Já antes deste normativo, através da Diretiva 2004/35/CE, se tinha estalecido o princípio do “poluidor-pagador” e a responsabilidade ambiental das empresas pelos danos ambientais que causarem, devendo pôr em prática as medidas de prevenção ou reparação necessárias e suportar todos os custos conexos. Nos termos desta Diretiva definem-se danos ambientais como:

• os danos que afetem significativamente o estado ambiental (ecológico, químico ou quantitativo) dos recursos hídricos, na aceção da Diretiva 2000/60/CE [Diretiva-Quadro Água da União Europeia (UE)] e da Diretiva 2008/56/CE (Diretiva-Quadro Estratégia Marinha);

• os danos causados ao solo que criem um risco significativo para a saúde humana;

• os danos causados às espécies e habitats naturais protegidos que afetem adversamente a conservação, na aceção da Diretiva 2009/147/CE relativa à conservação das aves selvagens e da Diretiva 92/43/CEE, a Diretiva Habitats Naturais.

A definição inclui a descarga de poluentes para o meio atmosférico (uma vez que afeta as condições do solo ou da água), para as águas interiores de superfície e para as águas subterrâneas, bem como qualquer libertação deliberada para o ambiente de organismos geneticamente modificados, na aceção da Diretiva 2001/18/CE.

No domínio dos crimes e infrações ambientais, teremos que salientar que com a revisão do nosso Código Penal em ordem à tutela do bem jurídico “Ambiente” passaram a prever-se crimes ambientais ou ecológicos, nomeadamente: O crime de danos contra a natureza – art. 278.º, violação de regras urbanísticas – art.º 278-A, crime de poluição – artigo 279.º, o crime de atividades perigosas para o ambiente – artigo 279.º-A; o crime de poluição com perigo comum – art. 280.º. Não nos vamos debruçar nesta sede na análise detalhada de cada tipo de crime ambiental, dando apenas nota de que estes crimes preveem a aplicação de penas de prisão e/ou de

multa, sanções que podem ser aplicadas, em regra, quer o agente tenha praticado os factos ilícitos típicos a título de dolo ou negligência.

Significa, deste modo, que o bem jurídico “Ambiente” foi considerado como merecedor da tutela do direito penal dada a sua dignidade e, por outro lado, que havia necessidade penal, ou seja, de se fazer intervir o direito penal como forma de dissuasão da prática de determinados comportamentos.

Mais ainda as tipologias de crimes acima referidas podem ser punidas com penas de prisão efetiva de 3, 5 ou 8 anos, o que denota que o legislador penal teve, de certa forma, em conta, a função da severidade da pena a ser, potencialmente, aplicada.

Note-se, no entanto, e aludindo desde já a uma ideia que se relaciona com a questão primacial do direito penal é não apenas a severidade da pena, mas e sobretudo a certeza da punição.

Ora, em Portugal temos assistido, embora sem estatísticas concretas em que possamos fundamentar uma análise mais detalhada, a alguma discrepância entre o número de crimes ambientais alegadamente praticados (cerca de 80.000 em dez anos) e o número de processos que chegam aos Tribunais (cerca de 6%), dos quais aqueles que terminam em condenação serem alegadamente residuais. Estes dados, mais do que nos levarem a defender de forma arreigada a severidade das penas, deverão fazer-nos refletir o porquê da sua verificação … o ambiente será um caso sério de justiça?

Para além do direito penal, a tutela do Ambiente também é efetuada através da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 Agosto) sendo que as coimas potencialmente aplicáveis ao infrator são de:

a) No caso de contraordenações graves cometidas por pessoas singulares a título de dolo entre 4000€ e 40.000€ e tratando-se de contraordenações muito graves praticadas a título de dolo os valores da coima podem variar de 20.000€ a 200.000€;

b) No caso de pessoas coletivas que pratiquem contraordenações graves a título doloso a coima pode ser de 36.000€ a 216.000€ e tratando-se de contraordenações muito graves os valores serão de 240.000€ a 5.000.000€.

Estamos, portanto, em face de contraordenações cujas coimas atingem valores bastante elevados, cujo montante deverá, ou deveria ter uma função dissuasora da prática de tais comportamentos.

Saliente-se que nos termos do Relatório de Gestão de Reclamações e de Denúncias , relativo ao ano de 2019, apresentado pela IGAMAOT (Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do

Ambiente e do Ordenamento do Território) terão sido tramitadas 894 situações denunciadas de entre as quais 475 dizem respeito à área ambiental, “…destacando-se valores mais elevados

para as denúncias referentes a resíduos (129), ruído (100) e licenciamento (76), seguidos de emissões atmosféricas (63), águas residuais (58), meio hídrico (42), e qualidade do ar interior (3),

tendo 4 sido enquadradas em outras vertentes, que não as anteriormente mencionadas”.

Do ponto de vista geográfico, de acordo com a IGAMAOT as situações denunciadas têm maior expressão no litoral, e sobretudo nos distritos do Porto e de Lisboa. No interior do país as

denúncias efetuadas ter-se-ão prendido com questões ligadas aos recursos hídricos (poluição de recursos hídricos e águas residuais).

Salienta-se ainda que há cerca de um mês foi apresentado o Portal Único de Reclamações, Denúncias, Acidentes e Incidentes, visando congregar numa só plataforma as queixas em

ordem a uma maior concentração da sua investigação e procedimentos ulteriores. Deve ter-se presente que não é apenas no território nacional que se verificam as verdadeiras

“catástrofes ambientais”, sendo que outros países se debatem precisamente com os mesmos problemas, que terão um grande impacto no futuro do planeta e na vida da humanidade.

A este propósito saliente-se que ainda recentemente o naturalista britânico David Attenborough falou ao Conselho de Segurança da ONU, por reunião virtual com 15 representantes de vários países, dando nota de que: “Se continuarmos em nosso caminho atual, enfrentaremos o colapso de tudo que nos dá segurança: produção de alimentos, acesso a água doce, temperatura ambiente habitável e cadeias alimentares oceânicas…” acrescentando que: “… se o mundo natural não puder mais atender às nossas necessidades mais básicas, grande parte do resto da civilização se desintegrará rapidamente.”

Em conclusão e respondendo ao desafio colocado inicialmente: O Ambiente é um caso sério de Justiça?

A verdade é que o legislador tem procurado dissuadir a prática de crimes e de infrações ambientais, prevendo sanções para quem cometa este tipo de ilícitos. Se ponderarmos por exemplo que um crime coação sexual previsto no artigo 163.º do Código Penal tem moldura penal entre 1 a 8 anos e o crime de incêndio igual, consegue-se percecionar-se qual a “dignidade penal” que o legislador conferiu à moldura do crime de incêndio.

É absolutamente crucial discernir que a tutela penal e contraordenacional do Ambiente tem a difícil tarefa de proteger os denominados “interesses difusos”, ou seja, interesses que são de todos, mas que em particular “não são de ninguém”. Assim, não se tratando de interesses concretos (da pessoa A ao qual furtaram o carro, ou da pessoa B que foi vítima de homicídio) a tarefa do julgador é bastante mais difícil na medida em que estamos em face de conceitos e situações com um maior grau de abstração e que carecem de concretização, o que dificulta a aplicação da “malha legal”. A este vetor acresce que a consciência social para esta tipologia de crimes, salvaguardando determinados picos de interesse, está longe de ser a desejável para que os comportamentos possam sofrer penalizações coincidentes.

Deste modo, parece-nos ser de fulcral importância salientar que para além dos normativos legais existe uma tarefa social que deve ser levada a cabo a montante: a educação e consciencialização ambiental. Apenas através de uma consciencialização da sociedade para todos os problemas ambientais e o seu concreto impacto na vida de cada um se poderão começar a enraizar na consciência da comunidade os valores da preservação do ambiente.

Estamos em face de uma problemática que vai para além da lei e que tem um enquadramento muito mais profundo a nível comportamental, sendo necessário mudar a forma de pensar e de agir de todos os portugueses, alterando aquela que habitualmente se designa por “mentalidade latina”.

E é esse o nosso foco essencial neste debate acerca dos crimes e infrações ambientais: sensibilizar a plateia e os leitores da sua importante tarefa na sensibilização para a problemática da necessidade de se “salvar o planeta” e de valorizar condutas desviantes com o ambiente. O papel de todos neste processo, que naturalmente é caracterizado por alguma lentidão, tal como qualquer mudança comportamental, é o papel de atores principais. A formação nas diversas áreas da engenharia, e o desempenho das funções que cabem aos diferentes técnicos que trabalham nesta área, ou caberão no futuro, permitirão sem sombra de qualquer dúvida incutir na comunidade a urgência da adoção de comportamentos que protejam o Ambiente. Quando toda a comunidade estiver sensível a estas problemáticas, também o julgador, aplicador da lei, terá mais facilidade em concretizar os conceitos indeterminados e em proteger um interesse que, afinal de contas, não é assim tão difuso porque pertence, efetivamente, a cada um de nós!

Lisboa, 05 de março de 2021

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